Expandir operações para o Brasil sempre exigiu um planejamento cuidadoso. O país é uma das maiores economias do mundo, com um mercado consumidor em expansão e setores estratégicos altamente atrativos, como agronegócio, energia, saúde e tecnologia. No entanto, a complexidade do antigo sistema tributário, com múltiplos tributos e regras divergentes entre estados e municípios, tornava a escolha do modelo de entrada um desafio considerável para empresas estrangeiras.
Com a Reforma Tributária promulgada em 2023, em implementação gradual até 2033, esse cenário passa por sua maior transformação em décadas. A mudança não altera os modelos de entrada em si, mas redefine os critérios que orientam a decisão de investidores internacionais.
Antes de avaliar os efeitos da Reforma, é importante compreender as principais formas pelas quais empresas estrangeiras podem se estabelecer no país.
Subsidiária
É o modelo mais comum. Trata-se de uma empresa brasileira, com personalidade jurídica própria, controlada pela matriz internacional. Oferece maior autonomia para decisões estratégicas e facilita o cumprimento das normas locais, além de permitir captação de recursos no mercado doméstico.
Filial
Funciona como uma extensão direta da empresa estrangeira, sem personalidade jurídica distinta. Embora simplifique a estrutura societária, expõe a matriz a responsabilidades jurídicas e financeiras no Brasil, o que exige cautela em operações de maior risco.
Joint ventures
Sociedades formadas em parceria com empresas locais. Esse modelo é interessante em setores que exigem conhecimento do mercado brasileiro, como energia, infraestrutura e saúde, além de permitir a divisão de riscos e investimentos entre os sócios.
Distribuidores e representantes
Opção frequentemente escolhida para testar o mercado. Com menor exposição operacional e financeira, oferece acesso inicial a consumidores brasileiros, mas reduz o grau de controle sobre marca e operações.
Esses modelos continuam válidos, mas a Reforma Tributária muda a forma como são avaliados. O foco deixa de ser exclusivamente a otimização fiscal e passa a considerar com mais peso fatores estratégicos, como proximidade com clientes, eficiência logística e disponibilidade de mão de obra qualificada.
O sistema anterior, baseado em cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS), está sendo substituído por dois novos impostos sobre valor agregado: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), administrado por estados e municípios. Soma-se a eles o Imposto Seletivo (IS), que incide sobre produtos e serviços nocivos à saúde ou ao meio ambiente.
Essa reestruturação elimina a tributação em cascata, amplia o aproveitamento de créditos fiscais e reduz distorções históricas como a “guerra fiscal” entre estados. Além disso, aproxima o Brasil das melhores práticas internacionais, já que o IVA-Dual se alinha aos modelos adotados por diversos países da OCDE.
Outro ponto relevante é a transição até 2033. Nesse período, antigos tributos coexistirão com os novos, exigindo planejamento cuidadoso para evitar distorções em contratos, cadeias de suprimento e fluxo de caixa. A KPMG destaca que setores como exportação, varejo e serviços digitais enfrentarão ajustes específicos: exportadores terão novos critérios de tributação na fronteira, varejistas precisarão recalcular margens com a alíquota única do IBS (estimada entre 25% e 30%), e empresas de tecnologia terão de se adaptar à tributação interestadual de serviços digitais.
O modelo de subsidiária se torna ainda mais atraente. A nova tributação em destino e a possibilidade de compensação integral de créditos reduzem distorções regionais e permitem maior previsibilidade financeira. Empresas que optam por subsidiárias terão mais liberdade para escolher a localização com base em infraestrutura, proximidade de consumidores e ecossistemas de inovação, sem depender de incentivos fiscais específicos.
A redução da complexidade tributária tende a diminuir custos administrativos e contenciosos, antes elevados pela fragmentação do sistema. Como filiais não possuem personalidade jurídica própria, a matriz segue mais exposta a riscos, mas a maior segurança jurídica trazida pela reforma ajuda a reduzir parte dessa exposição.
Parcerias com empresas locais passam a ser avaliadas de forma mais estratégica. Antes, muitas vezes eram estruturadas em busca de benefícios fiscais regionais. Com a padronização da tributação, esse fator perde relevância. O peso maior recai sobre a capacidade do parceiro em agregar conhecimento regulatório, acesso a clientes e complementaridade de recursos.
Normalmente utilizados como etapa inicial para testar o mercado, tendem a se tornar ainda mais acessíveis. O novo sistema simplificado reduz barreiras de compliance, tornando menos custosa a entrada inicial. No entanto, como esse modelo oferece menor controle sobre marca e operações, empresas devem avaliar cuidadosamente quando migrar para uma estrutura própria no Brasil.
A apropriação de créditos fiscais só será possível após o pagamento do tributo pela etapa anterior, o que pode impactar o fluxo de caixa e indicadores como o EBITDA, principalmente em pequenas e médias operações. Isso exige adaptação dos sistemas de contabilidade e investimento em tecnologia e compliance digital, já que o novo sistema demandará escrituração em tempo real.
Mesmo em fase de transição, a Reforma Tributária já gera impactos positivos na percepção do Brasil como destino de investimento. Em 2024, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) alcançou US$ 71,1 bilhões, um crescimento de quase 14% em relação a 2023, segundo o Banco Central. A OCDE apontou o país como o segundo maior receptor global de fluxos de capital, atrás apenas dos Estados Unidos.
Além disso, o 7º Fórum Brasil de Investimento (BIF 2024) anunciou mais de R$ 54 bilhões em novos projetos, reforçando a confiança no ambiente regulatório e fiscal em transformação. Esses sinais mostram que, apesar dos custos de adaptação, a percepção de longo prazo é de um mercado mais estável, previsível e competitivo.
A Reforma Tributária não muda os modelos de entrada disponíveis no Brasil, mas transforma a lógica por trás da escolha de cada um. Com a simplificação do sistema e o aumento da segurança jurídica, multinacionais ganham mais previsibilidade e liberdade para priorizar fatores estratégicos de negócio em vez de complexidades fiscais.
Esse novo cenário tende a atrair mais empresas estrangeiras, consolidando o Brasil como destino de investimento de longo prazo. Para investidores globais, a mensagem é clara: o momento de reavaliar estratégias de entrada e reposicionar planos de expansão no país é agora.